segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Cruzando o Canal da Mancha, Parte II (18/08/13)

Na volta, precisei esperar um bom tempo no porto antes de embarcar. Eu tinha deixado a minha amiga no trem de 12:59 e o meu ferry só partia às 16:30. Aproveitei pra fazer um almoço na lanchonete do porto, que infelizmente não oferecia opções muito saborosas. Comi o pior cheeseburguer da minha vida (claro que os franceses não são bons nisso), mas a taça de vinho Côte du Rhone compensou - me poupem das críticas quanto ao pecado cometido de misturar fast food com vinho.

Finalmente chegou a hora do embarque, e eu estava ansiosa para saber como seriam minhas acomodações. Eu não tinha conseguido reservar a cadeira reclinável para a volta, acabei ficando com a cabine. E que cabine. Era pequena, porque era só pra duas pessoas; mas bem equipada. Tinha um sofá, que, puxando o encosto para baixo, revelava uma cama; uma segunda cama que podia ser puxada do teto; travesseiros, rádio, uma mini penteadeira (um espelho, uma mesinha e uma banqueta) e para minha surpresa, um banheiro. Com sabonete, toalha e até chuveiro. Numa viagem de apenas 5 horas. Me senti muito mimada.

O chato é que a cabine não tinha escotilha, então eu me senti bastante isolada ali. Tentei tirar um cochilo, não consegui. Li alguns capítulos do meu livro, comi metade de um dos meus camembert; por fim, encontrei uma passagem para o deck superior, e fui explorar como era o deck de um navio.

Minha primeira sensação foi: Titanic me enganou. Sabe aquelas cenas em que a Rose passeia pelo deck do Titanic, cheia de classe com cachos perfeitos e chapéu equilibrado na cabeça? Pois eu tive que me segurar muito bem nas grades e corrimãos e tentar ficar nas pontas do deck, porque o vento era tão forte que eu tinha medo que ele me derrubasse. Até tinha algumas pessoas deitadas em espreguiçadeiras lendo livros e revistas, mas o vento estava muito frio e os cabelos ficavam esvoaçando o tempo todo, não achei nada confortável, muito menos glamuroso. Mas valeu pela sensação de se estar no alto do navio, olhar para todos os lados e não ver nada além de mar e céu. Tinha uns telescópios nas laterais do deck, mas só o que consegui enxergar com eles foram outros ferries/navios muito parecidos com o meu e distantes demais pra distinguir qualquer coisa. Bem diferente de navegar pelas ilhas de Angra dos Reis ou na Baía de Guanabara.



Cheguei em Portsmouth em torno das 21h, peguei o ônibus/shuttle que passa na estação de Portsmouth Southsea (£1,50), meu trem era só às 22h, cheguei em Guildford e nem pensei em voltar pra casa à pé, encarei o táxi, já que a viagem tinha sido bem barata e tinha sobrado dinheiro. Cheguei em casa já era meia-noite, fui dormir pra acordar cedo e trabalhar no dia seguinte.

Normandie: Caen e Courseulles-sur-mer

A cidade de Caen é uma graça. Várias igrejas góticas maravilhosas; um castelo medieval, o Château Ducal, com dois museus, um de belas artes e outro de história da Normandie; ruas de paralelepípedo, carrosséis retrôs; casas charmosas; e é a cidade mais florida que eu já vi. Me apaixonei.

Château Ducal
Abbaie aux Dames




Église St. Pierre
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Hôtel de Ville e ao fundo, Abbaie aux Hommes


Estátua de Guillaume le Conquerant na pracinha
Guillaume le Conquerant, ou Guilherme o Conquistador, foi o Duque da Normandie que conquistou e reinou na Inglaterra de 1066 até 1087. Foi ele quem mandou construir a Abbaie aux Hommes, ou Abadia dos Homens, e sua esposa, Rainha Mathilde, a Abbaie aux Dames, a Abadia das Mulheres. As duas igrejas ficam mais ou menos de frente uma pra outra, em lados opostos do centro da cidade, com o castelo de Guillaume bem no meio, o Château Ducal.

As comidas típicas da Normandie são gallete, um crepe cuja massa é feita e trigo preto, e frutos do mar, especialmente mexilhões fritos com batatas fritas caseiras (fritas na manteiga e não no óleo). Eles também são famosos por biscoitinhos dos mais variados tipos e pelo queijo Camembert, que eu acabei comprando 3 numa promoção 3 por 5 numa feira de rua. E são deliciosos.

Infelizmente, a Normandie também é conhecida pelo tempo ruim. No dia em que resolvemos ir à uma praia, na vila de Courseulles-sur-mer, choveu o dia inteiro, isso porque a gente tinha checado a previsão do tempo e se assegurado que naquele dia não choveria. Mas o passeio foi bom mesmo assim. A Flora encontrou um amigo brasileiro em Caen, muito simpático, e ele nos deu uma carona de carro até a vila - além de nos dar uma caixa dos biscoitinhos normandos deliciosos.

Em algum momento da tarde o sol resolveu aparecer, e nós estávamos até de biquini, mas a praia de areia fina era tão extensa, e tinha tanta alga até chegar no mar (maré baixa), que nem deu pra molhar os pés. Mas tirei meu tênis (eu e minha mania recém-adquirida de ir à praia de tênis), enrolei a barra da calça jeans (porque estava frio pra usar short) e enterrei os pés na areia, que não saiu do pé quando espanada, de tão fina que era, só saiu no banho.

No fim do passeio, debaixo de chuva, passamos por um castelo bem atrás do ponto de ônibus que nos levaria pra Caen. Mais cedo, tínhamos perguntado no centro de informações turísticas se podíamos visitar o castelo, mas nos disseram que ele era privado. Gente que mora num castelo numa vila à beira-mar. Mas do lado de fora deu pra espiar e ver como era bonito.

Moinho atrás do castelo

Castelo do lado da rua movimentada
Nós achamos Caen uma cidade muito linda, histórica, charmosa, mas de pouca vida jovem, principalmente com os estudantes da universidade local em férias de verão. Que nada. Numa noite, andando por uma das ruas de paralelepípedo do centro, depois de termos comido crepe numa feirinha à beira de um canal, passamos por uma rua movimentada, cheia de bares, cada um mais lotado de jovens. Na noite seguinte, nossa última noite, voltamos à tal ruazinha depois de comermos um delicioso gallete, nos sentamos em um dos bares e conversamos bebendo vinho. Que noite agradável.

No dia seguinte, voltamos ao centro da cidade pra nos despedirmos, fomos no museu da história da Normandie e em seguida para a estação, onde Flora pegou sem trem para Paris. Depois da nossa despedida, me encaminhei para o terminal de ônibus, ao lado, onde peguei meu ônibus para o porto de Ouistreham para fazer o caminho de volta pra casa.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Cruzando o Canal da Mancha, parte I

Sei que andei sumida, mas aqui vai um resumo: minha rotina tem se resumido a estagiar e cozinhar. Nas últimas semanas fiz salmão com molho de alcaparras, frango assado com molho branco e batatas, arroz à piemontese com cogumelos 'selvagens' (nada de champingnon) e um bolo de chocolate avassalador. De resto, tenho saído pouco, mas lido muito. A vida está tranquila.

Na semana passada uma amiga do Brasil, com quem fiz uma aula de cinema na UFF e estava na minha turma de francês, me chamou para viajar. Ela estava fazendo intercâmbio de seis meses em Paris, viajamos na mesma época, e desde janeiro falávamos de viajarmos juntas. Em abril, durante as férias de primavera, tentei reviver esses planos, mas a agenda complicou e desistimos. Eis que ela me diz que está voltando para o Brasil na semana seguinte (hoje, na verdade!) e que queria viajar no fim da semana, perguntou se eu não queria lhe fazer companhia. Nem pensei duas vezes, estava mais do que na hora de nos reencontrarmos.

Escolhemos viajar pela França mesmo, algo que eu já estava pensando para o resto das férias de verão, mas não tinha visto possibilidades de acontecer; passagens de avião caras, passagens de trem caras. Escolhemos a região da Normandia, que Flora conhecia um pouco, mas só no inverno. Disse-lhe que não encontrava nenhuma passagem barata, e ela me sugeriu que olhasse o ferry-boat.

Taí, isso não tinha me ocorrido. Eu sabia que para ir da Inglaterra à Europa poderia-se atravessar o Canal da Mancha de ferry. Minha amiga Luísa tinha vindo assim na sua última visita, mas de ônibus. E eu lembro de ter visto, em Portsmouth, vários placas indicando diferentes portos, inclusive o de ferry-boats que levavam carros e pessoas. Resolvi pesquisar.

Encontrei a Brittany Ferries, que faz viagens da Inglaterra para a França e a Espanha. De Portsmouth, o porto mais próximo de mim e com maior frequência de trens, saía ferries para Caen e Le Havre na Normandia. Flora tinha citado Caen dentre as cidades que tinha vontade de conhecer, ficou decidido nosso destino. Comprei as passagens de ida e volta, e vi que precisava selecionar e pagar por lugares também. Além de cabines (de 2, 4, 6 pessoas) tinha a possibilidade de escolher cadeira reclinável, a opção mais barata - £5. Na viagem de volta, as cadeiras estavam esgotadas, fui obrigada a escolher a cabine de duas pessoas por £21, o que doeu um pouquinho no bolso, mas o total das passagens não ficou muito diferente das passagens de avião que estou acostumada a comprar: £90.

Na quinta-feira às 4 da manhã, saí de casa com minha malinha-tamanho-de-cabine-de-avião e uma mochila. Eu não tinha achado em nenhum lugar no site, nem nos termos de condições da viagem, se havia alguma restrição de bagagem, fora a restrição clássica de armas, objetos inflamáveis, etc. Achei melhor não arriscar com uma mala maior, até porque só passaria quatro dias viajando. Lá fui eu me aventurar pela madrugada, a pé, até a estação de trem - gastar com táxi nem pensar. Fora que, já me acostumei com tanto com esse caminho (quando fui para Berlim, a mesma coisa, fora as noites de voltar da balada de madrugada), que já não tenho receio. Esse sentimento de segurança não tem preço, e é uma das coisas que mais vou sentir falta quando voltar ao Brasil. Nos meus 40 minutos de caminhada na escuridão, encontrei três coelhinhos e dois caracóis nos arbustos que permeiam todo o caminho. Não vi nada nem ninguém que me deixasse apreensiva (com exceção de umas árvores que na escuridão pareciam as do filme da Branca de Neve), nada de mal me aconteceu.

Cheguei na estação de trem às 05h, para pegar o trem das 05h15 até Portsmouth. A viagem durou uma hora e meia e eu tinha que estar no porto 45 minutos antes do embarque, às 08h15. Eu tinha planejado bem o meu tempo. A viagem de trem seguiu tranquila, o mau tempo me impediu de apreciar o nascer do sol. Eu tinha até colocado um casaco que não usava desde o inverno, estava uma manhã bem fria.

Chegando em Portsmouth Harbour, uma das estações de trem da cidade, descobri que tinha que ter descido na estação anterior, Portsmouth and Southsea. O porto internacional ficava mais perto da outra, embora fizesse todo sentido que qualquer porto ficasse perto da estação chamada Harbour. Peguei um táxi, porque me disseram que a caminhada levaria uma meia hora, e era realmente um longo caminho. Chegando ao porto, fiz check-in, peguei meu bilhete e fui comprar uns euros na casa de câmbio. Tinha ainda uma lojinha de conveniências, onde comprei um café e fiquei fazendo hora no lounge de espera até chamarem para o embarque.

Na hora de embarcar, passamos por uma sala com esteira e detector de metais, como em um aeroporto, e depois entramos num ônibus que, depois de cheio, levou os passageiros para uma estrutura com rampas e escadas rolantes por onde subimos para acessar o ferry. Só então vi o tamanho da embarcação que eu iria viajar. Um navio, enorme. A maior embarcação que eu já tinha entrado na vida. Lá dentro, um mundo. Free shop, restaurantes, cinemas, sala de jogos, bar... nem acreditei. Me senti num cruzeiro, eu que nunca fui em um. Descobri onde era meu lounge de cadeiras, bem na proa, com um janelão para ver o mar. Minha cadeira era mais ao fundo, mas ainda dava pra ver bem o mar. E que cadeira confortável. Atrás das cadeiras havia uma estante para guardar as malas, e logo percebi que realmente não havia limite de bagagem. Cansei de ver gente com malas enormes, bolsas, sacolas, mochilas, à vontade. E tinha muitas crianças a bordo, tanto na ida quanto na volta. Aparentemente, ir à França de ferry é passeio de família. Como eu não tinha dormido nada naquela noite (ansiedade de viagem), me acomodei na poltrona e dormi.

Lá pelo meio dia, acordei e resolvi explorar o navio (vou chamar assim mesmo, não ligo se estiver errado). Havia dois restaurantes, um self-service, de preços moderados, e outro à la carte, de preços absurdos para meu bolso de estudante. Fui no self-service mesmo, que não era a quilo, como no Brasil: você passa a bandejinha, mas cada prato tem um preço, então fui bem cuidadosa nas escolhas. Resisti ao prato de camarões da parte de entradas e escolhi só um prato principal e uma sobremesa. Fish and chips e uma tarte au framboise - framboesa, minha recém descoberta fruta preferida.

Passadas as cinco horas de viagem, o navio aportou em Ouistreham, cidade (vila?) a trinta minutos de distância de Caen (se pronuncia 'cân') e fiquei feliz de ver como o clima do outro lado da Mancha estava completamente diferente do frio que tinha deixado para trás. O sol brilhava, as praias estavam cheias.

Desembarquei no porto e já fui desenferrujando meu francês, que estava adormecido; comprei um bilhete de ônibus para o centro de Caen e fui me aventurar pela cidade.

Eu só esqueci de pegar um mapa. E descobrir como chegava no albergue onde a Flora já estava me esperando. E nós estávamos conseguindo nos comunicar pelo celular. Mas eu resolvi descobrir meu caminho sozinha. Mas era feriado naquele dia e os transportes estavam reduzidos. O terminal de ônibus estava fechado, no de trem as pessoas só sabiam informar sobre trens. Fui para o ponto do tram, olhei um mapa, adivinhei meu caminho e entrei no próximo tram A que passou e desci no penúltimo ponto da linha.

Só que o albergue era na linha B, na mesma direção, mas na linha B. E eu só fui descobrir isso depois de andar léguas e léguas por uma cidade vazia, perguntar a várias pessoas, receber mil olhares de "sua louca, você ta muito longe pra ir a pé" até ter a lucidez de ligar para a minha amiga e perguntar como eu chegava lá. Achei um ponto de tram, entrei na linha A voltando pro centro, desci num ponto pra trocar pra linha B, troquei. Mas nisso, porque era feriado, os trams só passavam de meia em meia hora, e eu já tinha andado um bocado quando estava perdida. Um percurso que era pra durar meia hora eu fiz durar três horas. Mas cheguei a salvo no Auberge de Jeunesse, encontrei a minha amiga, e a jornada que parecia sem fim teve um final feliz.

Mais detalhes da viagem no próximo capítulo.